HOMENAGENS

CANDANGO CONJUNTO DA OBRA

Fernanda Montenegro: o tempo da arte

Há figuras que atravessam o tempo sem pressa, sem estardalhaço, apenas sendo o que são. Fernanda Montenegro é uma dessas presenças. Atriz, claro. Mas também uma consciência. Um sopro contínuo de lucidez e beleza que ajudou – e segue ajudando – a dar forma à cultura brasileira.

Homenageá-la agora, no 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, é reconhecer um vínculo antigo e afetuoso entre a artista e este espaço de resistência e invenção. Fernanda não é apenas um nome incontornável da dramaturgia nacional – é uma ponte viva entre gerações, linguagens e os muitos Brasis que habitam nossa arte.

Seus personagens no cinema – tão diversos quanto inesquecíveis – carregam marcas do país, das contradições, dos silêncios e das feridas que a câmera expõe, mas que só um corpo em estado de escuta pode tornar legíveis. Foi assim com Dora, em Central do Brasil. Mas também com Zulmira, em A falecida, e com a Compadecida que nos acolheu com olhos tão humanos quanto divinos.

A relação de Fernanda com o Festival de Brasília é feita de respeito e presença. Já esteve na programação em diferentes momentos, sempre recebida com a reverência que se dá a quem não se impõe – apenas existe com clareza. Em 2013, por exemplo, emprestou sua voz e corpo a A dama do Estácio, em um curta que reverberou numa sala escura cheia de olhos marejados. Porque não há distância entre o que Fernanda faz e o que sentimos.

Brasília, com sua arquitetura simbólica e suas contradições tão expostas, sempre pareceu um cenário à altura da grandiosidade discreta de Fernanda Montenegro. Talvez porque, como ela, a cidade nasceu de uma aposta no futuro. E Fernanda, ainda hoje, continua sendo uma aposta – na arte como permanência, como compromisso, como gesto que recusa a pressa.

Neste festival, sua homenagem é também um gesto de gratidão coletiva. Pelo trabalho, pelo rigor, pela delicadeza. Pela maneira como ela nunca se apartou das questões do tempo em que vive. Pela coragem de seguir dizendo, com seu ofício, que a arte é essencial – e que um país sem memória nem imaginação está fadado à repetição.

Fernanda nos lembra, sempre, que interpretar não é fingir. É se oferecer como canal, espelho, ponto de escuta. É transformar palavras em presença. É estar inteira para que a cena aconteça.

Mais uma vez, Brasília se levanta para aplaudir.

MEDALHA PAULO EMÍLIO SALLES GOMES

Ivana Bentes

Concedida pelo Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, a Medalha Paulo Emílio Salles Gomes reconhece trajetórias de destaque na cultura cinematográfica do país. Em 2025, a homenageada é Ivana Bentes, escritora, pesquisadora e referência nos debates sobre estética, política e comunicação. Com presença marcante no festival como crítica e debatedora, Ivana sempre buscou refletir e tensionar os modos de produção e circulação das imagens no Brasil. Sua contribuição ultrapassa os limites acadêmicos, articulando conceitos fundamentais para pensar o cinema marginal, as novas tecnologias e as expressões culturais das periferias. Ao longo de sua trajetória, conectou teoria, ativismo e afeto, propondo um olhar mais aberto, plural e transformador sobre o audiovisual. A homenagem reconhece a importância intelectual e política de sua atuação e celebra o impacto contínuo de suas ideias na construção de um cinema brasileiro mais inclusivo e sensível às transformações sociais do país.

PRÊMIO LEILA DINIZ

Lúcia Murat

Lúcia Murat construiu uma filmografia marcada pela articulação entre experiência pessoal e contexto histórico. Ex-presa política durante a ditadura militar, levou sua vivência para o cinema com obras que tratam de memória, violência e justiça a partir de uma perspectiva crítica e sensível. Filmes como Que bom te ver viva e Uma longa viagem se tornaram referências na produção documental e ficcional do país. Ao longo dos anos, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro acompanhou e reconheceu esse percurso, exibindo trabalhos que ajudam a entender o Brasil por meio de narrativas potentes e necessárias. Ao receber o Prêmio Leila Diniz, Lúcia Murat reafirma sua relevância como voz fundamental do cinema brasileiro e como artista comprometida com a reflexão política e social por meio da linguagem cinematográfica.

PRÊMIO ABCV

Chico Sant’Anna

A ABCV – Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo homenageia, no 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o ator Chico Sant’Anna, referência das artes cênicas e do cinema no Distrito Federal. Com mais de 40 anos de carreira, Chico construiu uma trajetória sólida e premiada. Estreou profissionalmente em 1980, ao lado de Bibi Ferreira em Gota d’Água, e brilhou em montagens como Arlequim e Cru, que lhe rendeu o prêmio de melhor ator no Festival de Teatro do Rio. No cinema, foi premiado no Festival de Pernambuco por Simples mortais e recebeu indicação na mesma categoria no Festival de Gramado por O último cine drive-in. Atuou em títulos como O pastor e o guerrilheiro, Cano serrado e Uma vida em segredo. Na TV, participou de novelas e minisséries marcantes como Velho Chico, JK, Felizes para sempre e O Rei do Gado. Presença constante no Festival de Brasília, Chico Sant’Anna é símbolo do talento e da resistência da arte feita no DF.

HOMENAGEM A JEAN-CLAUDE BERNARDET

O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro presta homenagem a Jean-Claude Bernardet (1936-2025), figura central na história do cinema nacional. Belga de nascimento e brasileiro por escolha, Bernardet construiu uma trajetória múltipla como crítico, teórico, ator, roteirista e professor. Autor de livros fundamentais como Brasil em tempo de cinema, foi decisivo na formulação de um pensamento crítico sobre o cinema brasileiro, influenciando gerações. Sua presença no Festival de Brasília é histórica: desde os primeiros anos, participou dos debates que moldaram o evento como espaço de reflexão, embate e invenção. Nesta 58ª edição do Festival, as sessões especiais celebram sua contribuição singular com a exibição de filmes nos quais atuou ou colaborou criativamente, revelando sua entrega radical à linguagem cinematográfica. Mais que uma homenagem, as exibições são um reencontro com um pensamento vivo, que continua desafiando o cinema a pensar a si mesmo e o país que o produz.

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